Artigo originalmente publicado no livro "Direitos humanos e Gênero: Reflexões críticas". Publicação coordenada pela Professora Doutora Leilane Serratine Grubba, como resultado das artigos confeccionados pelos alunos do curso de mestrado em Direito - PPGD/IMED, na disciplina de Direitos Humanos e Gênero.
Disponível em: https://www.editorafi.org/442genero
1 INTRODUÇÃO
O anseio pela paz e pela liberdade é um objetivo perseguido pelos humanos ao longo de toda sua história, mas não poderia ser diferente entre um e outro pensamento as divergências surgem de forma catastróficas. A natureza instável do ser humano é capaz de construir e, principalmente, destruir sonhos, cidades, nações e a parte sensível dessa história toda, o ser humano.
Nessa esteira era necessário construir uma visão de mundo completamente oposta àquela que permanecia, e que fez eclodir a segunda guerra mundial, fruto da psicopatia e desejos de superioridade racista sobre todos os que não eram classificados segundo o desejo da imposição da maioria.
Com o fim da segunda guerra mundial, onde o véu cai em relação às atrocidades cometidas na Alemanha nazista, torna-se imperiosa a construção de uma sociedade internacional capaz de possibilitar respostas rápidas para as nações e com um fulcro de proteção do ser humano, não mais como coisa, mas um ser dotado de direitos e que sejam garantidos pelos entes nacionais.
Nessa estrada, após longo período, as pessoas com deficiência começam a clamar pela possibilidade de serem sujeitos de direitos, pessoas com anseios, reclamando a indiferença com que são tratadas, querendo participar da vida, da cultura, ter lazer, praticar um esporte.
O tema desse artigo é sobre pessoas com deficiência que por muitos anos fizeram parte da paisagem urbana e rural, confundidos com moveis inanimados ou animais não domesticados, sempre objetos de vergonha familiar ou desgraça divina. O problema gira em torno de como o direito humano fundamental de acesso a prática desportiva como elemento para a promoção da igualdade garante a inclusão social da pessoa com deficiência em condições de igualdade e oportunidade.
Utilizou-se o método dedutivo com revisão de bibliografia para a construção do saber dos instrumentos internacionais e nacionais de proteção da pessoa com deficiência. Assim, através do processo de análise de textos com foco na pessoa com deficiência, como premissa, chegaremos até o objetivo principal que é saber se o esporte carrega, como ação afirmativa, a inclusão dos mais diferentes níveis de deficiência. Para isso, buscamos na base de dados do site Scileo.org selecionando a pesquisa avançada com as seguintes expressões: “pessoa com deficiência” no primeiro campo e como segunda seleção o “esporte”. O resultado dessa primeira busca, sem refinamento de pesquisa algum a não ser a inserção das palavras chaves, foram descobertos apenas quatro artigos, todos em português. Desses quatro artigos, apenas um foi selecionado, e descreve o processo histórico e federal legislativo brasileiro para a prática de esportes da pessoa com deficiência.
A segunda pesquisa na base de dados indicada acima teve como expressão chave foi: “inclusão e pessoa com deficiência”, tendo como resultado a descoberta de 95 resultados. Filtramos os descobertos em “coleções brasileiras”, caindo para 80 descobertas. Desta seleção, refinamos em: Idioma – Português; Ano - 2020/2021 e na área temática das ciências humanas e ciências sociais aplicadas, encontrando 50 textos e desses os dados foram tabulados e restaram apenas sete textos para referencial teórico e construção desse artigo
Os objetivos da pesquisa é entender os instrumentos internacionais do sistema de proteção dos direitos humanos e sua recepção no sistema jurídico nacional para a promoção da igualdade de oportunidade para a prática de atividades esportivas. Especificamente, a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência – CDPD, ressaltando os aspectos gerais. Em um segundo momento a preocupação dá-se na recepção do depósito da convecção efetuado pelo Brasil, através de seus dispositivos constitucionais que tratam o tema de Direitos Humanos como regra constitucional. E como objetivo específico último, o estudo da Lei Brasileira de inclusão – LBI, no tocante a prática desportiva inserida como elemento de direito fundamental da norma infraconstitucional.
Assim, avançaremos para o entendimento do sistema geral de proteção dos direitos humanos na órbita internacional e seus documentos específicos de garantias para as pessoas com deficiência.
2 O sistema geral de proteção dos direitos humanos
A busca pela proteção do indivíduo face ao estado opressor, que se estabeleceu na Alemanha nazista, e pela necessidade de proteger o indivíduo das relações aviltantes que se desnudaram, juntando-se a isso os fatos descobertos com o fim da segunda guerra mundial, fizeram com que houvesse uma escalada mundial para a proteção dos direitos das pessoas, que como sabido, o ser humano foi descendido a categoria de coisa nos campos de concentração.
O homem, nesses locais, foi destituído de toda a essência de ser humano que poderia existir e o ser vital já não mais cabia nele, era marcado com códigos para ser lembrado como peça de trabalho forçado ou descartado como pedaço de ferro em um forno de fundição.
Diante disso, “Os direitos humanos, mais que direitos “propriamente ditos”, são processos; ou seja, o resultado sempre provisório das lutas que os seres humanos colocam em prática para ter acesso aos bens necessários para a vida. ” (HERRERA FLORES, 2009, p. 26). A segunda guerra mundial marca um processo de luta, não de um indivíduo, mas de uma parcela significativa da humanidade contra um sistema que buscava a hegemonia pelas armas e pelo ódio profundo contra todos aqueles que julgasse diferentes, com opiniões ideológicas e políticas diversas. Houve um esforço internacional para a derrocada no nazismo como força política opressora, uma batalha para o estabelecimento de o ser humano ser reconhecido em sua essência e esse processo foi longo e custou uma imensidão de histórias pessoais que nunca se concretizaram.
Houve uma perseguição sistêmica na Alemanha nazista e territórios ocupados por suas forças, isto é, grupos indesejáveis eram excluídos ou segregados sumariamente do convívio social através de perseguições a pessoas que professavam fé específica, ciganos, judeus, população negra, intelectuais com pensamento destoante no hegemônico, asiáticos, ataque frontal contra as liberdades, população LGBTQIA+, pessoas com deficiências físicas ou mentais e tantos outros grupos minoritários desprovidos de segurança e direitos fundamentais.[1]
Mesmo durante a beligerância, surge a necessidade de uma organização supra nacional capaz de aglomerar os atores internacionais com o objetivo de manter a batalha contra as forças do eixo (Alemanha, Itália e Japão); emergem contra eles, os Estados Unidos da América, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Reino Unido e China, em um primeiro momento, e pactuam a necessidade de constituição de uma organização internacional capaz de manter a paz e incentivar a segurança mundial, fato que foi corroborado em outros cenários como as reuniões efetuadas por essas nações em diferentes datas e locais, acrescentando a eles por fim a França (GRUBBA, 2020).
Nesse ínterim, após o trabalho meticuloso da diplomacia dos países fundadores, vários atos preparatórios e a certeza da necessidade de uma comunidade internacional voltada para a cultura de paz e segurança, os primeiros signatários decidem pela reunião vestibular para a criação de um organismo internacional capaz de aglomerar os Estados-partes em um objetivo comum de tranquilidade entre as nações e desenvolvimento sem percalços.[2]
Assim, estão as bases para a o estabelecimento da Organização da Nações Unidas - ONU, que durante os dias 25 de Abril a 26 de Junho de 1945, através da reunião de representantes de cinquenta e um a nações, que foram os signatários 0riginais contando com o Brasil como parte, na cidade de São Francisco acordaram na criação do organismo internacional, bem como, a sua estrutura funcional.[3]
Somente com a morte de uma infinidade de pessoas houve a possibilidade para a implantação de um órgão capaz de desenvolver a cultura pelo respeito, tolerância, paz mundial e que hoje reúne 193 países que ratificaram a carta da ONU, abaixo de um manto de cooperação e tranquilidade mundial.[4] Junto a isso, houve a necessidade perene de fundamentação dos direitos humanos, da contextualização desses princípios através do processo de luta pela defesa de um estilo de vida democrático em que as liberdades e as capacidades humanas fossem respeitadas e incentivadas.
O preambulo da carta da ONU traz em seu bojo, como objetivos a serem alcançados por todos os países signatários, as boas práticas lindeiras, esforços para a paz e um ambiente internacional capaz de gerar segurança e que a força bélica será usada no interesse ordinário da nação, bem como o fomento do avanço econômico e social.[5]
Além desses pontos, a originalidade desse documento alumbra algo inédito na cena internacional de proteção dos direitos, conforme Leilane Serratine Grubba (2020, p.34-35),
[...] pela primeira vez na história, afirmou-se universalmente a fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade, no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos entre homens e mulheres, na igualdade de direitos entre Estados pequenos e grandes, bem como no estabelecimento de condições, sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos. Além disso, salientou a determinação à promoção do progresso social e de melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla. O comprometimento demonstrado no preâmbulo da carta de 1945 era para com todos os povos, todas as culturas e todas as pessoas, de maneira global.
Os direitos humanos começam a ganhar capítulo exclusivo nesse ato de lucidez internacional sendo que o ineditismo documental ganha os holofotes, após outras cartas serem escritas mas nenhuma com esse envolvimento, em que vários entes internacionais interagem, onde se reuniram aproximadamente oitenta por cento de representação da população mundial.
O ato constitutivo à promoção de uma sociedade que busque a confiança na segurança, o respeito a tolerância e a possibilidade de desenvolvimento está pronto e perfectibilizado. De agora em diante há a necessidade de materializar esses direitos humanos que foram afrontados, maculados e severamente torturados, não apenas no campo físico mas na dimensão das ideias, em que há a projeção de uma sociedade construída por homens livres capazes de apontar horizontes com deveres bem estabelecidos e formas de que eles possam ser cumpridos. Não trata-se apenas da obrigação, mas do trabalho contínuo de uma comunidade internacional no encalço de construir uma nova sociedade, calcada nos princípios fundamentais essenciais do ser humano, tanto no campo natural quanto na esfera legal de proteção.
Esses direitos humanos, analisados a partir de uma visão internacional de proteção desses fundamentos podem ser entendidos como universais e inerente a todos os seres humanos, tendo como fulcro a materialização da dignidade humana através do encargo depositado por Estados que ratificam os tratados internacionais.
Nesse vestígio, surge, em decorrência do artigo 55 da Carta das Nações unidas[6], segundo Alexandre de Moraes (2021, p.16) a,
[...] necessidade de os Estados-partes promoverem a proteção dos direitos humanos, e da composição, por parte da Organização das Nações Unidas, de uma Comissão dos Direitos Humanos, presidida por Eleonora Roosevelt, a Declaração Universal dos Direitos do Homem afirmou que o reconhecimento da dignidade humana inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, bem como que o desprezo e o desrespeito pelos direitos da pessoa resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que as pessoas gozem de liberdade de palavra, de crença e de liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade tem sido a mais alta aspiração do homem comum. A Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada e proclamada pela Resolução nº 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10-12-1948, reafirmou a crença dos povos das Nações Unidas nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher, visando à promoção do progresso social e à melhoria das condições de vida em uma ampla liberdade.
A declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, logo em seu Artigo 1 reza “ Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos[...]”[7], e assim é bom que viva para que possa desenvolver em sí, no seu pequeno grupo de convivência e na sociedade em que está inserido, o sentimento de fraternidade específico de ser; também, através das diferenças que nos tornam iguais em direitos e obrigações possamos quebrar, ultrapassar, transpor barreiras que nos afastam da consecução de objetivos claros de cooperação pessoal, do altruísmo, daquele sentimento que nos faz uma pessoa única, para que possamos nos livrar dos grilhões que nos prendem a velhos conceitos preestabelecidos; e, por fim, a consciência de que somos finitos e, sabendo disso, possamos usar nossa razão para projetarmos um futuro acessível e sustentável para aqueles que ainda virão desfrutar desse pequeno ponto no universo. (GRUBBA, 2016) Somos responsáveis pelo que escrevemos e falamos, mais ainda, pelo que conseguimos viver nesse mundo em que a todos os locais estamos amordaçados.
A declaração de direitos humanos nasce em considerações bem próprias e especificas, classificando os seres humanos como membros de uma família internacional com direitos iguais e inalienáveis. Portanto, se somos iguais, independente de sexo, cor, etnia, religião, preferencias pessoais e culturais, nada poderá nos dividir, segregar, separar, tão menos a condição física do corpo ou sua intelectualidade.[8]
Com a instrumentalização dos direitos humanos em códigos normativos, começou-se um arcabouço internacional reunindo tratados, pactos, acordos, convenções, constituições e leis específicas que elevam os princípios essências de proteção a dignidade a categoria escolástica de Direitos Humanos Internacionais. Após a Declaração Universal, surgem também o Pacto internacional sobre Direitos Civis e Políticos, assim como o Pacto sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em 1966, que expandem a maioria das premissas elencadas na Carta de Direitos Humanos aprovada em 1948.[9]
3 Aurora, recepção e estabelecimento da convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência – CDPD.
Com a concentração e a especialização, um fenômeno dos tratados internacionais, esses documentos foram ganhando novas abordagens, dependendo do grupo social a que fosse acordado e ratificado e construídos novos direitos, até que em 13 de Dezembro de 2006 foi adotado pela ONU em reunião da Assembleia Geral a Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência.[10]
A especialização dos tratados internacionais tem um papel fundamental: afastar o temor a diferença. Esse sentimento, que fez com que atrocidades fossem cometidas no período entre guerras mundiais, foi capaz de exterminar uma parcela significativa de uma população caracterizada pelas mais diversas vulnerabilidades, no caso específico a deficiência, ou seja, a pessoa com esse espectro continuou a ser estigmatizada por muito tempo mesmo após a Declaração Universal de Direitos.
A construção da igualdade é um processo longo, vertiginoso e que necessita da atuação direta das pessoas interessadas na construção de uma sociedade disposta a obter resultados favoráveis a essa parcela significativa da população mundial. (NUSSBAUM, 2013)
Diante de tudo isso, para chegar a homologação da Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, um longo processo teve de ser ultrapassado e sendo construídos esses princípios de proteção da pessoa com deficiência através de vários documentos internacionais.
Segundo Sidney Madruga (2018 p. 200),
destacavam-se no sistema global, no âmbito exclusivo da deficiência, a Declaração dos Direitos das Pessoas com Retardo Mental (1971); a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (1975) e as Normas Uniformes sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Incapacidade (1993), os dois primeiros considerados anacrônicos e superados e o último mais focado na consecução de políticas públicas pelo Estado. E no sistema regional, a Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (1999), até então reputado o primeiro (nas Américas e no mundo) e o mais significativo instrumento dedicado à proteção e à garantia dos direitos das pessoas com deficiência.
Esses antecedentes, foram os balizadores para a construção histórica da ONU na proteção da pessoa com deficiência, sendo que, a convenção determinou princípios norteadores como premissas a serem seguidas pelos Estados-partes.[11] A dignidade, a liberdade, autonomia, inclusão, diferença, diversidade, igualdade, gêneros, são algumas das qualidades alocadas ao ser humano e que devem ser respeitados e garantidos pelos poderes constituídos de uma nação.
Após milênios com o estigma de coisa, “ Estamos dolorosamente conscientes do que significa ter um corpo historicamente constituído” (HARAWAY, 2009, p. 51), há possibilidade de tornar uma horda de pessoas, invisíveis até então, em sujeitos de direitos reconhecidos como seres humanos com capacidades e habilidades. (SEN, 2011)
Para Jose Afonso da Silva (2007) os direitos fundamentais do homem constituem um apanhado do que a sociedade, de determinada época, pensa a respeito da política e da efetivação de direitos, podendo qualificar esses fundamentos na convivência retórica e cotidiana assegurada por um ordenamento que possa garantir os direitos.
O Ministro Alexandre de Moraes (2021) reverbera afirmando a impossibilidade de intromissão do Estado contra os direitos humanos fundamentais considerando, como premissa assertiva, a dignidade humana, para sua defesa, fato este reconhecido pelos entes internacionais, Estados e seus ordenamentos.
Tanto é dessa forma, que nas obrigações gerais citadas no artigo 4 da convenção, as disposições ali estabelecidas devem ser gerais e irrestritas a todas as unidades federais que possa haver na nação signatária, não podendo ter reservas de nenhuma parte ou agente político nacional.[12]
Esses direitos reconhecidos pela convenção sobre o Direitos das Pessoas com Deficiência servem para “promover e proteger os direitos humanos de todas as pessoas com deficiência, inclusive daquelas que requerem mais apoio” (ONU, 2006).
Veja, o termo é muito abrangente e com um espectro que abarca pessoas que nascem com a capacidade física ou intelectual reduzida ou adquirem ao longo da vida. É normal ser diferente, e de certa forma, a hipótese estética equivocada não está naquele que tem uma necessidade diversa da maioria, encontra-se no seio da sociedade que através de um conceito pré-estabelecido estigmatiza o ser, imputando um valor de vítimológico e assistencialista a pessoa; ainda, essa raiz maléfica tem origem na própria sociedade e a capacidade de solução passa pelo acesso a bens, serviços e educação inclusiva para todos os seus membros (MADRUGA, 2018).
Nessa quimera é que esse documento internacional, visando proteger direitos e promover garantias a todas as pessoas com deficiência, é adotado pela ONU, em Assembleia Geral na data de 13 de dezembro de 2006, através da Resolução nº 61/106, porém, passa a vigorar apenas no mês de maio de 2008 com o depósito da vigésima ratificação. Traz em sua parte geral um enunciado de categóricos sociais capazes de transformar a vida de pessoas que até então eram marginalizadas e destituídas de qualquer garantia quanto a possibilidade de desenvolvimento pessoal.
Ainda, planifica entendimento quanto ao conceito dispendido a pessoa com deficiência, impondo ao signatário a adequação pátria devido a hierarquia, afirmando em seu artigo 1º que essas pessoas possuem “impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”. (CDPD, 2008).
Com o advento da Emenda Constitucional 45, de 30 de Dezembro de 2004, introduzindo o § 3º ao artigo 5º da Constituição Federal de 1988, os tratados e convenções internacionais foram elevados a categoria de emendas constitucionais. Ante a alteração constitucional efetuada, a questão estava aberta para saber o entendimento que o STF daria, tendo duas teses em discussão: a primeira que recepcionava os tratados como normas constitucionais e a segunda, dando apenas caráter supralegal à eles. (SARLET; MITIDICIERO; MARINONI, 2021)
Dessa forma, o entendimento foi estabelecido no Supremo Tribunal Federal em que versa da seguinte forma:
os tratados internacionais de direitos humanos aprovados em conformidade aos ditames do § 3.º do art. 5.º da CF são equivalentes às emendas constitucionais; os demais tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil constituem direito supralegal; e os tratados internacionais que não tratam de direitos humanos têm valor legal. (SARLET; MITIDICIERO; MARINONI, 2021, p. 599)
Com isso, havendo lastro constitucional para abraçar esses tratados de direitos humanos é que o Brasil em 1º de agosto de 2008, faz o depósito do instrumento de ratificação da convenção, após ter assinado em 30 de março de 2007 na cidade de Nova York. Ainda, Decreta, através da norma de nº 6.949, de 25 de Agosto de 2009, a promulgação da Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência e seu protocolo facultativo.
4 O marco legal brasileiro de proteção aos direitos da pessoa com deficiência para a prática esportiva
O marco legal brasileiro, emitido em 06 de Julho de 2015 através do dispositivo nº 13.146, institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), tendo como base a convenção recepcionada no arcabouço brasileiro, logo em seu artigo 1º é bem categórica afirmando assegurar e promover princípios de igualdade, liberdades objetivando a inclusão social e categorizando como cidadão.[13]
A legislação corre a passos largos para a proteção do direito das pessoas com deficiência, sendo, claramente, o texto da norma dividido em três esferas, quais sejam: direitos fundamentais (Título II) em que apresenta um rol taxativo de direitos fundamentais para a promoção da inclusão, como direito a vida, habilitação e reabilitação, saúde, moradia, trabalho (inclusão, habilitação e reabilitação profissional), assistência e previdência social, transporte e mobilidade urbana, cultura, turismo, lazer e esporte; na segunda dimensão, trata sobre as questões de acesso ao campo da ciência e tecnologia, participação na vida pública e política, a disposição de tecnologias assistivas para mobilidade pessoal e aumento da qualidade de vida, bem como acesso a informação e comunicação; na terceira e última parte trás o acesso à justiça, em condições de igualdade, para efetivação da cidadania e adaptação do judiciário para prestação do serviço aos deficientes; e, sanções aqueles que infringirem ou de alguma forma obstruírem a fruição dos direitos das pessoas com deficiência.
A prática esportiva, inserido no capítulo IX do Estatuto, que discorre sobre o direito a cultura, ao esporte, ao turismo e ao lazer tem um caráter duplo: o de direito fundamental da pessoa com deficiência (art.42), de um lado, e a obrigação imposta ao Estado em promover a participação (art. 43): a) incentivando instrução, treinamento e fornecendo oportunidade a todos, b) assegurando acesso a locais de práticas esportivas, e c) participação efetiva do destinatário da norma.
A acessibilidade plena (GRUBBA, 2020), incluindo a prática esportiva, deve-se a necessidade de inclusão social de um rol de pessoas até então estigmatizadas, com desvantagens de acesso e um conceito social preestabelecido de inferioridade física ou intelectual. A pessoa com deficiência é um ser de direitos, capaz de produzir economicamente para sua sociedade e sua inserção na comunidade dá-se através da possibilidade de programas sociais que ampliem suas habilidades, em igualdade de condições.
Ademais, para complementar o estudo e aumentar a bagagem teórica foi feita a busca no site Scielo.org selecionando com duas premissas; a) “pessoa com deficiência” e b) esporte. Sendo o resultado dessa primeira pesquisa o encontro de quatro artigos, porem apenas um foi selecionado e discorria sobre processo histórico e federal legislativo brasileiro para a prática de esportes da pessoa com deficiência. Em nova pesquisa a expressão utilizada para a busca foi uma premissa composta pelo agente pesquisado e o fim a que se destina a norma de proteção de direitos humanos, qual seja “inclusão e pessoa com deficiência”, sendo descobertos 95 resultados. Com aplicação do filtro “coleções brasileiras”, esse resultado caiu para 80 descobertas. Após outro refinamento em: Idioma – Português; Ano - 2020/2021 e seleção das áreas temáticas das ciências humanas e ciências sociais aplicadas, encontrando 50 textos e desses os dados foram tabulados e restaram apenas sete textos para referencial teórico e construção desse artigo
Segundo Conrado (2014), o esporte nasce por volta do ano de 776 a.C. tendo por horizonte a estética como pano de fundo e, através disso, a perfeição para a adoração de deidades gregas com a oferta dos componentes do homem. Há um antagonismo aqui o esporte, como elemento de inclusão da pessoa com necessidades diversas tem sua origem na perfeição do corpo e intelecto, porém, não é mais aos deuses que oferecemos sacrifícios, mas a construção de uma sociedade capaz de dar oportunidades iguais aos desiguais.
Assim, o Estatuto da Pessoa com Deficiência traz uma proteção até então inexistente no cenário nacional para as PCDs. O esporte passa a ser um dos elementos de direito fundamental de ação afirmativa e para a inclusão em uma sociedade que exclui aquele que julga ser diferente. A prática esportiva é o elemento de ligação entre a pessoa com deficiência e a sociedade com papel fundamental de ligação entre esses dois polos.
5 a prática esportiva e as pessoas com deficiência - PCD
A prática esportiva para as pessoas com necessidades diversas além integrar e reintegrar ao convívio social, tem função na saúde, melhorando índices de acompanhamento médico e atuação nas ordens psicológicas pela integração com outros e o meio.
O esporte emerge como uma ferramenta de inclusão social para o público PCD, tendo início quando o neurocirurgião Dr. Ludwig Guttmann, que identificou a possibilidade de reabilitação, para os ex-combates da segunda guerra mundial com lesões medulares, através da prática esportiva, sendo logo após em 1948 disputado um campeonato somente com paratletas ingleses. (CONRADO, 2014).
A primeira modalidade de esporte para pessoas com deficiência introduzida no Brasil foi o basquete em cadeira de rodas no ano de 1958, onde os PCDs Sergio Del Grande e Rogério Sampaio foram os responsáveis.[14] Daquela data para o presente, muitas outras modalidades foram introduzidas fazendo com que o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) seja um dos principais a nível mundial.
A conjuntura nacional começou a sofrer alterações quando em 1995 foi criado o CPB e as ações para a prática esportiva paralímpica, pois os clubes ou associações de pessoas com deficiência convergem a um trabalho conjunto. Esse trabalho visando garantir o acesso e crescimento do esporte para PCDs encontrou obstáculos, estações difíceis, porém apresentou avanços e elevou o comitê brasileiro a ser um dos melhores em olimpíadas. (BEGOSSI; MAZO, 2016).
Embora o Brasil seja reconhecido enquanto equipe paralímpica de ponta, não há meios de incentivo maiores para que as pessoas com deficiência possam usufruir do direito ao lazer e a prática de algum esporte. Pelo contrário, os locais de convivência públicos, em sua maioria, não são adaptados para dar acesso há um cadeirante, por exemplo.
Ainda, a inclusão das PCDs deve ser entendida do ponto de vista de que a sociedade é que precisa alterar seu conceito de deficiência, sendo necessário que seus membros alterem seu entendimento. Ademais, em pesquisa realizada, aponta que a prática desportiva atua como forma de lazer com o objetivo de recreação, aumentando a autoestima, contribuindo assim para a melhoria de aspectos motores, sociais da pessoa, físicos e psicológicos. Contudo, estimou-se que a pessoa com deficiência quando exposta a pratica desportiva de basquete em cadeira de rodas teve um aumento significativo no condicionamento físico e nas relações interpessoais. (BARIAN; BIN; VILLAS BOAS, 2003).
Porém, Oliveira (2019) afirma que tendo em vista a alteração proporcionada pelo art.110[15] do Estatuto da Pessoa com Deficiência, houve um acréscimo no percentual de investimento no esporte paralímpico brasileiro, se justificando frente as conquistas obtidas por paratletas nos jogos olímpicos que, de forma vertiginosa, obtém resultados expressivos para os esportes de alto rendimento.
Para Oliveira e Sarraf (2016) as atividades esportivas de alto rendimento são priorizadas em comparação a prática do esporte educacional ou em locais destinados a convivência comunitária, não sendo, essas formas objeto de política esportiva nacional, muito embora haja dispositivo constitucional para essas garantias.
Diante disso, o que se percebe é a falta de meios necessários para o incentivo da prática desportiva pelas pessoas com deficiência. Por exemplo: um time de basquete requer um alto nível de investimento, pois haverá de ser construídas cadeiras de rodas adaptada para cada participante, além de local e pessoas habilitadas para orientação do esporte. Outro exemplo são os maratonistas em cadeiras de rodas que necessitam, também, de instrumento específico construído segundo suas medidas. Na prática do atletismo, não é diferente, uma prótese tipo lâmina para corrida tem um valor elevado e necessita de ajuste de um protético seguidamente.
Então, há um longo caminho para que a prática esportiva para pessoas com algum tipo de deficiência seja algo normal e corriqueiro, enquanto isso não acontece, a acessibilidade plena ou desenho universal deve cobrado das autoridades executivas para inclusão social.
6 CONCLUSÃO
No Brasil, há uma legislação capaz de fazer frente aos problemas impostos as pessoas com deficiência, que garante um rol de direitos fundamentais para a inclusão e a promoção da cidadania.
Sabendo disso, partimos para solução do problema de como o direito humano fundamental de acesso a prática esportiva para a promoção da igualdade poderia garantir a inclusão social do público PCD. Com isso, entender as hipóteses de como se deu o sistema geral de proteção dos direitos humanos na órbita internacional, suas origens e datas mais relevantes, bem como, quais instrumentos foram. Em seguida, procuramos compreender como a recepção aos tratados de direitos humanos ocorrem nos pais, principalmente, após a Emenda Constitucional nº 45, que dá um Status de emenda a CDPD.
Por derradeiro, foi analisado a Lei Brasileira de Inclusão, que garante direitos até então inimagináveis as pessoas com deficiência, reconhecendo esse público como cidadãos, em pé de igualdade em diretos que até então não possuíam. A própria LBI, indica mecanismo para incentivar e assegurar a participação efetiva da pessoa com deficiência em condições de igualdade em práticas esportivas. Ainda, a forma de investimento em práticas de modalidades diversas, principalmente, de alto rendimento, é incentivada através de um programa de renúncia fiscal e investimentos diretos do poder público federal.
A despeito dos investimentos em esportes de alto rendimento em paratletas, o Brasil carece de políticas públicas para inclusão esportiva das pessoas com necessidades diversas. As paralímpiadas são uma grande vitrine que projetam esses competidores, porém, o incentivo econômico, financeiro não é fomentado desde a educação física na escola, onde estão a maioria daqueles que são objeto da inclusão.
Embora a inclusão social através da prática esportiva seja algo incisivo na legislação nacional e internacional, estamos longe de haver uma acessibilidade plena as modalidades esportivas ou qualquer tipo de prática, mesmo que lúdica; primeiro, porque o alto custo de alguns equipamentos inibe o exercício e, segundo, falta organizações civis capazes de reunir pessoas e alocar recursos para essas atividades.
Mesmo havendo o direito, a realidade é completamente adversa e truncada, pois faltam locais de convivência como praças adaptadas capazes de dar acesso a pessoas para a prática esportiva e com isso a inclusão social pelo esporte é uma falácia, pois não há meios para a inclusão da pessoa com necessidades diversas. Apesar de haver grandes competidores paralímpicos, o investimento na educação esportiva inclusiva, locais públicos para a prática, acesso a clubes, universidades e associações é extremamente limitado, talvez pelo estigma da pessoa com deficiência, talvez pela falta de incentivo direto do poder público para a promoção de políticas públicas adequadas.
A acessibilidade plena é o ideal a ser alcançado para a inclusão de uma parcela significativa da sociedade brasileira, que é capaz de produzir, gerar conteúdo, consumir e tem necessidades diversas, mas quer ser respeitada por ser diferente.
[1] Disponível em: https://www.museudoholocausto.org.br/memoria/o-holocausto/. Acesso em: 21 Out. 21. [2] Disponível em: https://www.un.org/en/about-us/history-of-the-un/preparatory-years. Acesso em: 21 Out. 21. [3]Disponível em: https://www.un.org/es/about-us/history-of-the-un/san-francisco-conference. Acesso em: 21 Out. 21. [4] Disponível em: https://www.un.org/en/about-us. Acesso em: 05 Nov. 21. [5] Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/91220-carta-das-nacoes-unidas. Acesso em: 24 Out. 21. [6] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm. Acesso em: 24 Out. 21. [7] Disponiviel em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em: 03 Nov. 21. [8] Declaração Universal dos Direitos Humanos – Artigo 2 - Todos têm direito a todos os direitos e liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, como raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, propriedade, nascimento ou outra condição. Além disso, nenhuma distinção deve ser feita com base no status político, jurisdicional ou internacional do país ou território ao qual uma pessoa pertence, seja ele independente, sob custódia, não autônomo ou sob qualquer outra limitação de soberania. Disponível em: https://www.un.org/en/about-us/universal-declaration-of-human-rights. Acesso em:05 Nov. 21. [9] Disponível em: https://www.un.org/es/about-us/udhr/foundation-of-international-human-rights-law. Acesso em: 24. Out. 21. [10] Disponível em: https://ampid.org.br/site2020/onu-pessoa-deficiencia/. Acesso em: 24 Out. 21. [11]Artigo 3: Princípios gerais - Os princípios da presente Convenção são: O respeito pela dignidade inerente, independência da pessoa, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e autonomia individual. A não-discriminação; A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade; O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; A igualdade de oportunidades; Acessibilidade; A igualdade entre o homem e a mulher; e O respeito pelas capacidades em desenvolvimento de crianças com deficiência e respeito pelo seu direito a preservar sua identidade. Disponível em: https://ampid.org.br/site2020/onu-pessoa-deficiencia/#deficiencia. Acesso em: 03 Nov.21. [12]Artigo 4: Obrigações gerais - Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover a plena realização de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência [...]. Disponível em: https://ampid.org.br/site2020/onu-pessoa-deficiencia/#deficiencia Acesso em: 03 Nov. 21. [13] Lei 13.146 – Artigo 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. 05 nov. 21. [14] Disponível em: https://www.cbbc.org.br/modalidade. Acesso em: 14 nov. 21. [15] Art. 110. O inciso VI e o § 1o do art. 56 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, passam a vigorar com a seguinte redação: Art. 56. Os recursos necessários ao fomento das práticas desportivas formais e não-formais a que se refere o art. 217 da Constituição Federal serão assegurados em programas de trabalho específicos constantes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além dos provenientes de: [...] serão destinados ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e 37,04% (trinta e sete inteiros e quatro centésimos por cento) ao Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), [...]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 05 nov. 21.
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